Postagens

Mostrando postagens de junho, 2021

3 MINICONTOS

  (1) Ao entrar no consultório e sentar em uma das cadeiras, a médica pergunta: — Tudo bem, Noah? Considerando que sua pele fabricada está abrindo microrranhuras para que agentes microscópicos possam entrar e lhe causar paralisia visceral, Noah responde: — Melhor impossível, doutora. (2) Na psicoterapia: — Então, Marília, essas lembranças são difíceis de buscar… só me vêm fragmentos, bem desconexos ainda por cima. Já estou desconfiando que minha vida é toda uma simulação, de que nada é real de verda-a-a-a-a-h-h-h-h… Um barulho alto de sirenes começa a soar. O paciente se joga ao chão tapando os ouvidos e não percebe o choque elétrico em sua nuca. Marília permanece imóvel em sua poltrona, com o habitual sorriso fechado. (3) Saltou do carro antes da explosão. O motorista de aplicativo não devia ter colocado a mão intrusa em seu joelho. Não tinha tempo para configurar outra perna antes da entrevista.

É PERIGOSO ESCREVER ALEGRIAS

  E screver sobre o passado é tão perigoso quanto escrever alegrias. Não faz muito tempo, me inscrevi para participar de uma roda de leitura de poesia. Na foto de divulgação aparecia ninguém menos que Cecília Meireles, minha poeta preferida. Mal sabia eu que uma foto nunca é só uma foto. Aquela era a primeira vez que eu participava de algo assim: não sabia o que esperar; cada pessoa inscrita teria que ler um poema de sua preferência, ou só iríamos escutar a mediadora da roda? Em todo caso, selecionei alguns poemas para não passar vergonha. Descobri depois que Cecília nada tinha que ver com as leituras: encontrei o primeiro engano. Terminada a roda, vi meu corpo fragmentado voltando ao passado, à quando a gente ainda tinha contato com as pessoas, ou pelo menos achávamos que tinha. Fui até meus oito anos de idade, numa comemoração da escola de dia das crianças ou final de ano, não sei ao certo. Estávamos fazendo amigo-secreto entre a turma. Todas as minhas colegas estavam sendo reveladas