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Mostrando postagens de novembro, 2024

A MORTE EM SI

Quando a Agatha estava morrendo, eu passei a noite escutando Natalia Lafourcade. Seu último álbum: De Todas Las Flores. É impossível dormir quando o corpo se torna poesia. Quando as gotas batem nas telhas de casa. Chovia muito quando cheguei no portão da uti. O tempo de espera para me receberem foi o tempo de sufocar da Agatha. Ela não resistiu. Eu não resisti.  Ouve-se pelos cantos que o luto dura dois meses. O luto de um amor dura o resto da vida. A percepção da existência se torna distorcida à realidade dos outros quando conhecemos a morte com mais intimidade do que gostaríamos. Eu sinto que, mesmo tentando, não é possível pertencer ao mesmo lugar que o lugar dos outros. Me vejo como um outro me mantendo por perto do que é comum. A consciência da morte e seu entrelaçamento com a vida. Um olhar atento e cativo ao que se parte física e simbolicamente. Aquilo que é nebuloso a quem perdeu sua sensibilidade. Agatha levou quatro meses para partir. E eu ainda olho de perto meu pedaço d...

VOCÊ JÁ ENTROU EM TRANSE ENQUANTO CAMINHAVA PELA RUA?

Você já reparou como a textura do sol da manhã não é a mesma que a do sol da tarde? Gosto de colecionar sensações. Encontrei a memória de um sentimento enquanto caminhava pela rua, o ônibus vermelho ia vazio em direção ao centro. Voltei ao dia em que  estava neste vazio, em direção à casa. Eu lia o jornalzinho da biblioteca sem conseguir me concentrar por conta da rua esburacada. Era a mesma textura de um sol imaturo demais pra aquecer. E eu sentia paz. Alguma vez você já sentiu que não pertencia ao tempo? Tenho esses momentos em que tudo se desloca, onde percebo as cores, os sons, os movimentos mais claros do que normalmente são. Como se eu observasse uma fotografia ampliada, mágica. E tudo no mundo fizesse sentido. Minha lembrança me levou até o banco da Praça do Japão. Logo que sentei, um rapaz me perguntou se ali era a Rui Barbosa. Disse que não. Ele então se deitou em um outro banco, e dormiu. Você já alcançou uma epifania sensorial enquanto caminhava pela rua?