EXPURGAR O CORAÇÃO PARA COMÊ-LO


expurgar o coração para comê-lo

eu ouço o que sai e tenho nojo, nojo do nascimento e seus fluidos, tenho nojo de gritar que dói quando me corto, e repito sempre repito porque precisa ser limpo, perfeito, limpo e perfeito, limpo e perfeito

me mato, me mato porque gosto porque é confortável, a morte não tem fluidos: limpa limpa!, encerramentos são primorosos, não acha, não acha?


tenho um grito na garganta, muitos gritos na garganta, quero comê-los mas eles não descem, não descem!


me apaixonei uma vez na vida e tive nojo. foi uma vez, fiquei tão feliz, tão feliz que sentia vontade de vomitar. nunca lhe contei, nunca dei nascimento ao que estava morrendo para nascer. e morreu. por fim morreu. a inteligência artificial me disse que a paixão dura dois anos. eu não aguentaria, e não durou. me machuquei até matar, e deu certo


a morte e o perfeccionismo andam lado a lado, ouvi uma vez, deve ser por isso que tenho tendências ao sádico


quando quase me apaixonei pela segunda vez, eu disse: não quero, e não fui. deveria ter ido?


minhas borboletas nascem fragilizadas porque eu abro o casulo antes da hora. não quero que nasçam, é a verdade, e me encanto com a morte, tão francas… sem asas… as que sobrevivem se criam transparentes, cintilam ao sol enquanto são atravessadas pelo mundo. deveria eu parar de cultivar borboletas?


ainda assim, ainda assim surge vez ou outra uma pedra no caminho. coleciono as pedras do caminho. tenho um casaco com bolsos grandes o suficiente para guardá-las, além de várias caixas de latão no meu armário. tentava colecionar mortes também mas não deu muito certo e fiquei apenas com as fotografias. você não conta pra ninguém, mas eu gosto de colecionar fotografias, não existe nenhum processo de nascimento nelas, você sabe.


talvez eu precise… limpar a ferida. qual delas? li num livro que nem sempre é preciso se recompor, escrevi esse verso na boca pra limpar o amargo nos dentes quando vomito, tenho nojo, é claro, porque são fluidos demais, limpo e perfeito! limpo e perfeito! me incomoda quando tem cabelos no chão, muito mais quando não são meus. limpa! limpa! mas não dá pra limpar! e me irrita. irrita!



desapareço 



em um canto escuro

no mais escuro possível

longe de qualquer nascimento

quietinho                

recolho meus ossos e     

seco               


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