E SE VOCÊ SOUBESSE QUE MEDITA SEM SABER


Era noite de vento quente.
Fora de casa, eu estava pendurada no varal sem saber o que fazia com meus braços. De pijama, ninguém podia me ver. O bairro ocupado mergulhava em luzes artificiais. E eu era só dela.
As nuvens me levantaram voo através da brisa. Sussurraram histórias dos ventos enquanto eu era repousada em sua umidade de chuvisco. Cantamos juntas seguindo procissão até a lua.
Lua cheia. Imensa e mais brilhante do que jamais vi. Fui engolida por sua boca de prata e desapareci.

. . . 



A primeira vez que entrei em meditação profunda, me encontrei como vento. Eu tinha lido um livrinho sobre atenção plena (mindfulness) e decidi pôr em prática um dos exercícios: levei uma cadeira confortável para o quintal, me sentando onde o sol não queimaria minha cabeça; eu usava roupas largas para que os tecidos apenas encostassem em minha pele. Ajeitei a coluna deixando-a ereta sem pesar; repousei as palmas das mãos nas coxas e fechei os olhos.


Muitos manuais de meditação falam que para acalmar a mente e corpo é preciso se concentrar na respiração, que para entrar em estado meditativo, primeiro é necessário domar quanto de ar entra e sai de nosso corpo. Mas isso não funciona para mim.


A meditação é simplesmente o oposto de controle.


A respiração não é o meu ponto de início para entrar em transe, mas talvez seja o seu. Sou uma pessoa muito sensível a sons. Encontro conforto no silêncio. A questão é que não existe silêncio na natureza ou no mundo externo: há sempre pássaros piando, pneus no asfalto, vizinhos que trabalham com serralheria, cachorros, o vento atravessando a copa das árvores, meu braço deslizando no papel enquanto escrevo. O mundo está repleto de sons e foi exatamente neles que encontrei a minha partida para meditar.


O objetivo é limpar a mente de barulho interno. Mas como parar o trânsito intenso de pensamentos? É aí que está: não se para, não se controla, não troca uma coisa pela outra. O segredo é não se envolver. E por isso precisamos de um ponto inicial.


Após fechar os olhos, milhões de ideias e planejamentos dos dias seguintes começaram a surgir junto com um “preciso limpar a mente”. No começo, isso vem com força e é comum. Não mande os pensamentos embora, olhe para o que aparece e deixe ir por conta própria. O que fiz foi desviar a atenção do que vinha de dentro para os sons urbanos à minha volta. O ruído interno foi ficando cada vez mais distante enquanto os sons externos que me chegavam com origens separadas começaram a se unir numa massa única. Meu consciente não sabia mais distinguir o que era o que e nesse momento, entrei em transe.


Perdi meu corpo, minha consciência, minha identidade e me fundi ao vento. Foi a única vez que eu me levei a um estado de meditação profunda. A única vez que me induzi a isso, mas não a única em que alcancei um estado meditativo.


Sabe quando você vê uma lua cheia luminosa e não consegue fazer mais nada senão admirá-la? Ou quando encontra uma fila de formiguinhas andando pela calçada e começa a segui-las para descobrir aonde estão indo? Ou mesmo quando leva à boca um alimento tão saboroso que precisa fechar os olhos para sentir toda a explosão de sabor e textura na língua? Não importa se essas experiências duram horas ou milissegundos, é uma forma de meditação.


Existe ainda um mecanismo de escape no nosso cérebro que faz a gente “desligar”. Já se pegou olhando para um ponto fixo do nada e naquele momento não conseguia pensar, falar ou escutar o que estava ao redor? Esse é um daqueles momentos em que entramos em transe sem sentir (é completamente normal e a psicologia explica). E de repente, voltamos. Mas e se não voltássemos tão logo? E se alongássemos esse momento por mais do que um instante?


Entrar em estado meditativo não é difícil. O trabalho é encontrar a sua chave para alcançá-lo. O estar em meditação é uma experiência puramente subjetiva. 


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