QUANDO ATRAVESSAMOS JANELAS


    Li um livro chamado Não aceite caramelos de estranhos (No aceptes caramelos de extraños). Embora “Árvore genealógica” e “Miopia” tenham sido meus contos preferidos, foram “Meio corpo para fora navegando pelas janelas” e “O incômodo de sermos anônimos” que mais me cutucaram. Seus temas coincidem: a solidão humana.



    Algum filósofo já disse que a essência do ser humano é a solidão. Que mesmo compartilhando coisas em comum e criando laços, estamos fadados a viver com um subjetivo só nosso, que ninguém consegue alcançá-lo de fato, além de nós mesmos. (Ou será que estou me confundindo e isso é coisa da psicanálise?).



    Ou talvez, eu poderia arriscar um: somos solitários dentro de uma cultura ocidental branca e capitalista.



    Semana passada, fui na casa de cereais comprar a minha rotineira broa caseira. Quando a atendente me viu, soltou um suspiro: “pensei que tinha acontecido alguma coisa com você! já faz tempo que não passa por aqui!” Sim, fazia mais de um mês que não aparecia porque estava vivendo um luto muito pesado.



    Eu fiquei bastante surpresa pela sua preocupação e mais ainda por ter se lembrado de mim, afinal, sou só mais um na multidão. Conversamos um pouco e soube que ela estava passando por um problema de saúde na família. Estava muito sensível e perguntei se poderia lhe dar um abraço. Com a minha vã intenção de consolá-la, quem acabou recebendo o abraço mais forte fui eu.



    Eu não imaginava que poderia existir empatia sincera entre pessoas desconhecidas, já que é tão raro existir empatia entre pessoas que se conhecem.



    O narrador de “O incômodo de sermos anônimos” nem se dá ao trabalho de saber o nome da pessoa que se joga do décimo segundo andar de seu prédio. O suicídio é, inclusive, só um detalhe da narrativa. O primeiro plano da história se concentra em um desejo sexual fisicamente distante entre a vizinha da janela da frente e o narrador. Ele não sabe quem é ela, não conhece sua rotina e nem mesmo tem certeza se a mulher realmente vive ali. O mistério e o escondido fazem com que seus desejos se confundam com afeto. 



    Já o protagonista de “Meio corpo para fora navegando pelas janelas” sente perder emocionalmente a esposa a cada dia que passa, só conseguindo “encontrá-la” no fim, através de uma webcam. O “encontro” acontece pela troca de imagens ampliadas de seus corpos.



    Resumimos nossas vidas a afetos tortos que só podem existir através de uma janela — física ou virtual. Como se apenas desse modo pudéssemos existir por completo. Quantos exemplos pessoais você pode dar para comprovar minha afirmação?



    Somos seres que se condicionam à solidão. Por egoísmo, por estarmos vivendo em um sistema mecânico, por sermos subjetivos demais, por medo. Ao ler os contos, senti que as narrativas emolduravam e expunham no museu da vida uma réplica perfeita do comportamento e desejo humano do século XXI. E o impacto foi grande.



    Mas nem sempre estamos desnorteados com o nosso estar-no-mundo. Às vezes, encontramos abraços despretensiosos ao ir comprar pão a três quadras de casa. Eu aproveitei aquele encontro. Nunca se sabe quando conseguiremos atravessar janelas novamente.



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