CARTA ABERTA ÀS PESSOAS QUE ME CONHECEM HÁ TEMPO

 

    Você não me conhece. Talvez nunca tenha me conhecido de fato. Eu sempre fui o que era mais adequado ser. Nunca eu. Desculpe, posso estar te enganando, eu já fui eu algumas vezes na vida, quando escrevia; você me lia? conseguia me ler? No meio dos outros, sempre fui um outro, estranho a mim mesme.


    Comecei a procurar por mim há apenas alguns anos. Você percebia como eu me escondia? E eu me escondia tão bem que a minha busca por mim se tornou muito difícil. Onde eu estava? Em que canto, encolhide? Hoje vejo deslumbres, partes de mim que me assustam, que me fazem fugir. Vejo beleza nessas partes também, embora precise de mais partes pra me ajudar a ver.


    Tenho descoberto muitos Ds habitando em mim, mas isso não é significativo pra você. Talvez você nem saiba que também tem outros nomes. Eu tenho dezenas, até onde conheci. Uma vez sonhei que um exército de Evelyns apáticas descia a rua; eu não me reconheci nelas, mas na minha vó que estava sentada na cozinha conversando comigo enquanto eu dava um soco no homem que tentava arrombar a porta. Minha vó é um Z.


    Eu ainda procuro por mim, mas acordo quando meu eu criança aparece. Sei que não pode me fazer mal, mas ainda não consigo olhá-lo. Recentemente encontrei uma besta na janela, a besta que me empurraria da janela, e tive muito medo. Os eus mais feridos são os que mais machucam.


    Percebe? Ainda não consigo dizer quem sou, se sou, se um dia serei. Nesse momento o que posso afirmar é: se, por acaso, me ver na rua, não será um reencontro, será um desencontro; ou um primeiro encontro, já que você não me conhece.


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