LIVROS QUE FALAM DE LIVROS QUE FALAM DE POLÍTICA

 

    Durante a leitura de Um apartamento em Urano: crônicas da travessia, de Paul B. Preciado, me deparei com um texto intitulado A revolução dos bichos. A crônica me veio com potência, e posso me arriscar a dizer que essa é uma das crônicas mais potentes do livro. E por ser assim, me fez analisar todo meu percurso histórico pessoal de construção de senso crítico.


    Quando eu estava na 8ª série, hoje 9° ano do ensino fundamental, a professora de história pediu que a gente lesse A revolução dos bichos, de George Orwell, pois faria um estudo guiado sobre a obra. A biblioteca da escola não tinha exemplares para serem emprestados, por isso, a maioria dos alunos não conseguiu o livro. Ainda assim, a professora, improvisando, trabalhou com metade da narrativa. Eu era um dos poucos alunos que tinha o livro em mãos. No entanto, devido ao grande número de estudantes dentro de uma sala de aula — alunos, devo acrescentar, que estavam na pior fase da puberdade —, a professora não conseguiu levar nosso estudo até o fim, e o que foi feito era no meio de muita gritaria.


    Ao ler a crônica de Preciado, descobri que não lembrava de mais nada da leitura que tinha feito na 8ª série. Então, retornei à obra de Orwell como se fosse a primeira vez. 


    Um fato interessante ao ser mencionado é que li (reli) A revolução dos bichos em meio ao resultado das eleições de 2022 para presidente, acompanhadas de manifestações antidemocráticas de brasileiros pedindo intervenção militar. Enquanto eu lia os apêndices onde estavam os prefácios que o próprio Orwell escreveu em 1945 e 1947, vi alunos de escolas particulares de Curitiba fazerem apologia ao nazismo e discursos de ódio e violência às pessoas pobres, pretas, nordestinas, e de esquerda, noticiados na internet. A narrativa d’A revolução dos bichos, publicada em 1945, é assustadoramente similar ao cenário brasileiro atual.


    Eu estudei a minha vida inteira em escola pública, e apesar de todos os problemas educacionais e o ensino de “baixa qualidade”, ainda assim me tornei uma pessoa que questiona, que não se dá por satisfeita com “opiniões” de quem ocupa um lugar de autoridade, que não segue o bando (ou o gado) porque é onde “todo mundo” está.


    Vejo hoje escolas supostamente de qualidade, que supostamente desenvolvem o senso crítico, que preparam crianças e adolescentes para viverem numa sociedade justa, que supostamente ensinam, permitindo e apoiando manifestações de violência extrema, de intolerância, de ignorância.


    Crianças e adolescentes repetem o que ouvem em casa, o que ouvem na sua bolha social. E eu me pergunto, se essas escolas não estão desenvolvendo o pensamento crítico dos estudantes, se não têm como princípios o respeito e a tolerância na sociedade, como estabelece as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o que estas instituições estão fazendo?



    Me falta ainda ¼ de leitura para concluir Um apartamento em Urano. Suas crônicas, essencialmente políticas, me causam um mal-estar psíquico. Na maioria das vezes quero encontrar uma justificativa ao pensamento e comportamento desumano de algumas pessoas, de alguns sistemas políticos. Quero acreditar que não sabem o que fazem, o que dizem, que tudo é reflexo de uma (des)educação. É difícil quando me deparo com gente violenta que sabe o que faz, o que diz, e que continuará orgulhosamente assim. Me desarma. Quero acreditar que todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que outros.







Leia no Jornal Plural:



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

COMO LAVAR UM TRAVESSEIRO

CARTA ABERTA ÀS PESSOAS QUE ME CONHECEM HÁ TEMPO

QUANDO ATRAVESSAMOS JANELAS