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EXPURGAR O CORAÇÃO PARA COMÊ-LO

expurgar o coração para comê-lo eu ouço o que sai e tenho nojo, nojo do nascimento e seus fluidos, tenho nojo de gritar que dói quando me corto, e repito sempre repito porque precisa ser limpo , perfeito, limpo e perfeito, limpo e perfeito me mato, me mato porque gosto porque é confortável, a morte não tem fluidos: limpa limpa! , encerramentos são primorosos, não acha, não acha? tenho um grito na garganta, muitos gritos na garganta, quero comê-los mas eles não descem, não descem! me apaixonei uma vez na vida e tive nojo. foi uma vez, fiquei tão feliz, tão feliz que sentia vontade de vomitar. nunca lhe contei, nunca dei nascimento ao que estava morrendo para nascer. e morreu. por fim morreu. a inteligência artificial me disse que a paixão dura dois anos. eu não aguentaria, e não durou. me machuquei até matar, e deu certo a morte e o perfeccionismo andam lado a lado, ouvi uma vez, deve ser por isso que tenho tendências ao sádico quando quase me apaixonei pela segunda vez, eu disse: nã...

UM POEMA

  perda da mente labiríntica  não se contemplar com o mundo não é um impulso suicida é o planejamento de uma vida conversávamos o tempo todo com a morte aliás rejeição mortuária espanta ao amor que não existe me cavo infinitamente me cavo espanta… olho/olho me faço desaparecer porque me assunto fora quando estive fora? sujeira em cima do tapete — não dá pra limpar? o perten|cimento inócuo paranoia do registro sensível presa presa o animal que se machuca com a própria armadilha (não há oxigênio dentro da esfera) quando volta se volta  volta? vive com medo de quebrar o… quê?

ESCREVER CASAS

Tem uma… coisa.  Eu tenho uma coisa. Descobri, tirando fotos da lua cheia, que gosto de ser fantasma. E tem essa… coisa. Achei que o tempo tinha parado porque as nuvens não se mexiam, mas o escape de uma moto me tirou do pensamento. Estou escrevendo um livro. Outro. Já perdi a conta de quantos livros eu tenho escrito. Há anos me vejo observando casas. Sempre busco a imagem de uma casa para montar um quebra-cabeça. Até que percebi que escrevo casas em meus livros. Minha casa antiga é escura, e eu gosto muito da penumbra amarelada que fica independente da hora do dia.  Minha casa suspira de vez em quando, às vezes chora também. Um dia sonhei que chovia muito, mas nenhuma gota passava pelas janelas abertas. As janelas da minha casa formam desenhos no chão quando a luz atravessa. Não são janelas modernas, tampouco comuns. Eu tenho um hábito de me encantar com a casa vazia, sabe. Ela nunca está vazia, na verdade. Eu gosto que, de casa, dá pra ver a amplitude do céu. Às vezes imagin...

A MORTE EM SI

Quando a Agatha estava morrendo, eu passei a noite escutando Natalia Lafourcade. Seu último álbum: De Todas Las Flores. É impossível dormir quando o corpo se torna poesia. Quando as gotas batem nas telhas de casa. Chovia muito quando cheguei no portão da uti. O tempo de espera para me receberem foi o tempo de sufocar da Agatha. Ela não resistiu. Eu não resisti.  Ouve-se pelos cantos que o luto dura dois meses. O luto de um amor dura o resto da vida. A percepção da existência se torna distorcida à realidade dos outros quando conhecemos a morte com mais intimidade do que gostaríamos. Eu sinto que, mesmo tentando, não é possível pertencer ao mesmo lugar que o lugar dos outros. Me vejo como um outro me mantendo por perto do que é comum. A consciência da morte e seu entrelaçamento com a vida. Um olhar atento e cativo ao que se parte física e simbolicamente. Aquilo que é nebuloso a quem perdeu sua sensibilidade. Agatha levou quatro meses para partir. E eu ainda olho de perto meu pedaço d...

VOCÊ JÁ ENTROU EM TRANSE ENQUANTO CAMINHAVA PELA RUA?

Você já reparou como a textura do sol da manhã não é a mesma que a do sol da tarde? Gosto de colecionar sensações. Encontrei a memória de um sentimento enquanto caminhava pela rua, o ônibus vermelho ia vazio em direção ao centro. Voltei ao dia em que  estava neste vazio, em direção à casa. Eu lia o jornalzinho da biblioteca sem conseguir me concentrar por conta da rua esburacada. Era a mesma textura de um sol imaturo demais pra aquecer. E eu sentia paz. Alguma vez você já sentiu que não pertencia ao tempo? Tenho esses momentos em que tudo se desloca, onde percebo as cores, os sons, os movimentos mais claros do que normalmente são. Como se eu observasse uma fotografia ampliada, mágica. E tudo no mundo fizesse sentido. Minha lembrança me levou até o banco da Praça do Japão. Logo que sentei, um rapaz me perguntou se ali era a Rui Barbosa. Disse que não. Ele então se deitou em um outro banco, e dormiu. Você já alcançou uma epifania sensorial enquanto caminhava pela rua?

QUEM É VOCÊ?

  Quem são vocês? Uma vez, dois adolescentes entraram na sala de reforço para matar aula. Percebi a pressa com que se escondiam ali e logo soube o que estava acontecendo. “Quem são vocês?”, perguntei na defensiva. Eles me disseram seus nomes, e aquilo me desestruturou. Quem é você, pessoa que me lê? Recentemente passei por uma experiência de apresentação de mim mesma. Meu nome não importava, assim como não importava o nome de ninguém ali; o que era importante era dizer o que eu estava fazendo naquele lugar e na vida. Quando perguntei aos adolescentes quem eles eram, também não estava interessada em saber quem de fato eram, mas o que faziam ali. Qual é o seu nome, pessoa que me lê? Tem uma música que diz que “a gente é aquilo que a gente faz”. Numa apresentação pessoal sem objetivo específico encontro a mesma falha. “Quem é você?” está substituído por “como você ganha dinheiro?”, “que remédios toma?”, “você se dá bem com seus pais?”. Poderia ser uma piada, mas não é. Inclusi...

A NECESSIDADE DE GRITAR

Tenho pensado na necessidade de gritar. Na necessidade de estarmos gritando o tempo todo para que nossa existência seja admitida. Um grito simbólico. Eu vejo gente gritando o tempo todo para conseguir a aprovação de existir. E o que acontece com aquela gente que silencia? Se a gente não grita, morre pela memória de outra gente que mantém o grito com avinco. Por quanto tempo as pessoas conseguem suportar um silêncio? Alguém deve ter dito que o silêncio é sábio e o grito é desespero. Se ninguém o disse, digo agora. Contudo, ainda é possível gritar no silêncio, assim como encontrar sabedoria no desespero. Eu escrevi um livro, e o engoli logo que ganhou vida. Meu livro existe no silêncio. Mas eu o escrevi gritando, e se eu o grito, ganho existência. Meu livro existe no silêncio. Entendo que, se não gritamos, entramos em desespero, e que o desespero nos leva a gritar. Também preciso dizer que: muitas vezes é doloroso gritar. Gritar cansa fácil. Por isso, eu aprendi a gritar em silêncio.