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A MORTE EM SI

Quando a Agatha estava morrendo, eu passei a noite escutando Natalia Lafourcade. Seu último álbum: De Todas Las Flores. É impossível dormir quando o corpo se torna poesia. Quando as gotas batem nas telhas de casa. Chovia muito quando cheguei no portão da uti. O tempo de espera para me receberem foi o tempo de sufocar da Agatha. Ela não resistiu. Eu não resisti.  Ouve-se pelos cantos que o luto dura dois meses. O luto de um amor dura o resto da vida. A percepção da existência se torna distorcida à realidade dos outros quando conhecemos a morte com mais intimidade do que gostaríamos. Eu sinto que, mesmo tentando, não é possível pertencer ao mesmo lugar que o lugar dos outros. Me vejo como um outro me mantendo por perto do que é comum. A consciência da morte e seu entrelaçamento com a vida. Um olhar atento e cativo ao que se parte física e simbolicamente. Aquilo que é nebuloso a quem perdeu sua sensibilidade. Agatha levou quatro meses para partir. E eu ainda olho de perto meu pedaço de al

VOCÊ JÁ ENTROU EM TRANSE ENQUANTO CAMINHAVA PELA RUA?

Você já reparou como a textura do sol da manhã não é a mesma que a do sol da tarde? Gosto de colecionar sensações. Encontrei a memória de um sentimento enquanto caminhava pela rua, o ônibus vermelho ia vazio em direção ao centro. Voltei ao dia em que  estava neste vazio, em direção à casa. Eu lia o jornalzinho da biblioteca sem conseguir me concentrar por conta da rua esburacada. Era a mesma textura de um sol imaturo demais pra aquecer. E eu sentia paz. Alguma vez você já sentiu que não pertencia ao tempo? Tenho esses momentos em que tudo se desloca, onde percebo as cores, os sons, os movimentos mais claros do que normalmente são. Como se eu observasse uma fotografia ampliada, mágica. E tudo no mundo fizesse sentido. Minha lembrança me levou até o banco da Praça do Japão. Logo que sentei, um rapaz me perguntou se ali era a Rui Barbosa. Disse que não. Ele então se deitou em um outro banco, e dormiu. Você já alcançou uma epifania sensorial enquanto caminhava pela rua?

MINHAS CRENÇAS LIMITANTES

Minhas crenças limitantes. Conversar abertamente com as pessoas tem me transformado; tem feito mais efeito do que fazer terapia. Escutar minha intuição e ouvir os outros tem feito muita diferença na minha forma de pensar. Minhas crenças limitantes não são aquelas que “aparecem” numa sessão de psicoterapia. A racionalização das minhas emoções tem me sido uma armadilha. Tenho encontrado pessoas muito especiais. E feito e sentido coisas que acreditava não serem para mim. Uma crença limitante por acreditar que nenhum espaço possa me acolher, de não ser digna de estar em lugar algum. Geralmente, na terapia, é quase que obrigatório olhar para a infância com o objetivo de ressignificar os próprios traumas. Eu não gosto da palavra “ressignificar” nesse contexto, assim como não gosto dos termos “cura” e “ser funcional”. A minha relação intimista com a linguagem me traz uma outra percepção de mundo, contrária (muitas vezes) às palavras comuns de um psicólogo.  Digo isso porque sempre t

QUEM É VOCÊ?

  Quem são vocês? Uma vez, dois adolescentes entraram na sala de reforço para matar aula. Percebi a pressa com que se escondiam ali e logo soube o que estava acontecendo. “Quem são vocês?”, perguntei na defensiva. Eles me disseram seus nomes, e aquilo me desestruturou. Quem é você, pessoa que me lê? Recentemente passei por uma experiência de apresentação de mim mesma. Meu nome não importava, assim como não importava o nome de ninguém ali; o que era importante era dizer o que eu estava fazendo naquele lugar e na vida. Quando perguntei aos adolescentes quem eles eram, também não estava interessada em saber quem de fato eram, mas o que faziam ali. Qual é o seu nome, pessoa que me lê? Tem uma música que diz que “a gente é aquilo que a gente faz”. Numa apresentação pessoal sem objetivo específico encontro a mesma falha. “Quem é você?” está substituído por “como você ganha dinheiro?”, “que remédios toma?”, “você se dá bem com seus pais?”. Poderia ser uma piada, mas não é. Inclusive,

A NECESSIDADE DE GRITAR

Tenho pensado na necessidade de gritar. Na necessidade de estarmos gritando o tempo todo para que nossa existência seja admitida. Um grito simbólico. Eu vejo gente gritando o tempo todo para conseguir a aprovação de existir. E o que acontece com aquela gente que silencia? Se a gente não grita, morre pela memória de outra gente que mantém o grito com avinco. Por quanto tempo as pessoas conseguem suportar um silêncio? Alguém deve ter dito que o silêncio é sábio e o grito é desespero. Se ninguém o disse, digo agora. Contudo, ainda é possível gritar no silêncio, assim como encontrar sabedoria no desespero. Eu escrevi um livro, e o engoli logo que ganhou vida. Meu livro existe no silêncio. Mas eu o escrevi gritando, e se eu o grito, ganho existência. Meu livro existe no silêncio. Entendo que, se não gritamos, entramos em desespero, e que o desespero nos leva a gritar. Também preciso dizer que: muitas vezes é doloroso gritar. Gritar cansa fácil. Por isso, eu aprendi a gritar em silêncio.

A REALIDADE PELA FICÇÃO

Eu me identifiquei muito com Charlie Gordon. Engraçado de um jeito peculiar. As pessoas que leram Flores para Algernon também se identificaram? Vi alguns comentários dizendo que o livro não é bom, que só faz os leitores sentirem pena de pessoas com deficiência intelectual. Discordo completamente. Analisando a parte da escrita, senti que o ritmo não se mantém o mesmo do início ao fim. A leitura ficou um pouco mais lenta pela metade da história, se recuperando no final, mas fora isso, não encontro motivos para a crítica. Quanto ao conteúdo, me vejo em processo de absorção e entendimento ainda, mesmo tendo terminado o livro há três dias. Quando eu fazia meu primeiro estágio obrigatório de Letras, conheci uma aluna de 16 anos que cursava o 7° ano do fundamental. Ela não se enturmava com os colegas e não tinha a malícia que adolescentes da sua idade têm. Ela gostava de conversar comigo, me contando, na maior parte do tempo, sobre o trabalho da sua mãe e sua rotina com a escola. Ela passava

COMO LAVAR UM TRAVESSEIRO

  De tempos em tempos é preciso lavar os travesseiros. Você pode optar por comprar um novo a cada vez que o antigo ficar inutilizável, mas advirto que o novo acabará sujo mais dia menos dia. Quantos travesseiros sujos está disposte a acumular durante a vida? A melhor forma de lavagem é mergulhar todo o tecido na máquina já cheia de água, e segurar a espuma o mais fundo possível por um tempo, para que toda a extensão do sonho se mantenha molhada. Depois, é hora de bater com sabão, mas não aconselho muita espuma, pois deixa o toque áspero. E por favor, não use amaciante. Aquela máscara não serve de nada. Você poderá perceber que, assim que o travesseiro for centrifugado, será impossível secar tudo ao sol. Por isso, escolha uma parte para ser descosturada. Remova todo o recheio e o estenda ao vento. Se for um dia quente, você poderá recolher tudo em algumas horas. Se desconfiar que irá chover nos próximos dias, reserve um espaço para que seus sonhos abertos possam descansar.  Após devolve