NÃO É SÓ UMA COR
Quero te mostrar uma foto: quatro crianças loirinhas em frente a uma casa de madeira; todas têm o mesmo tamanho e o mesmo cabelo curto; vestem um conjuntinho de blusa branca com mangas e calças xadrez.
Tem uma vegetação rasa ao redor da casa e mais alguns arbustos floridos que não sei dizer o nome. A foto deve ter sido tirada no começo da tarde, pois a claridade do sol não deixa esconder nada.
Uma dessas crianças está com a estampa xadrez em vermelho, contrastando com a cor azul das outras. Olhando assim, parecem todas iguais. Poderia chutar algum parentesco: poderiam muito bem serem gêmeas, quadrigêmeas, por que não?
Mas aquela cor vermelha deixou uma marca.
(Se Chapeuzinho Vermelho não fosse vermelho, o lobo não teria coragem de enganá-la.)
Ali, na foto, elas não entendiam o carimbo das cores. Elas mesmas se achavam todas iguais e brincavam iguais: subiam nas árvores, jogavam bola, ralavam os joelhos, choravam e comiam da mesma forma.
Se não me engano, essa foto tem uns vinte anos. As crianças até falavam que, quando crescessem, iriam tirar a mesma foto, no mesmo lugar, e rir do comparativo. Mas isso nunca aconteceu.
Conforme os anos passavam, a criança vermelha foi impedida de continuar subindo nas árvores, jogar bola, ralar os joelhos, chorar e comer junto das outras. Foi separada nas seguintes fotos, e num certo dia, as azuis não chegaram mais perto.
A vermelha percebeu que, mesmo não vestindo mais aquela roupa, continuaria sendo vista como vermelha.
Não, aquela criança não tem mais parentesco com as outras.
Agora adulta, olha a foto com sentimentos vagos, nostálgicos até. De uma nostalgia distante, quase intocável. Reconhece só um pouco de si.
O que reconhece bem é a casa de madeira com a vegetação rasa e arbustos floridos. Reconhece os joelhos ralados e a claridade forte do sol. Mais nada.
Crônica de uma sutileza magistral, que fala dos abismos humanos, sociais, políticos, raciais (?). Parabéns!
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